Se tem uma história que resiste ao tempo e pulsa forte no sertão, é a dos vaqueiros da Ribeira do Jaguaribe. Muito antes da poeira levantar nas arenas das grandes vaquejadas modernas, já se escutava o aboio ecoando pela caatinga e o trotar firme dos cavalos na missão árdua de reunir o gado disperso. Mas como essa tradição começou? E como evoluiu para o que conhecemos hoje?
O Surgimento das Fazendas e a Civilização do Couro
No final do século XVII, a Ribeira do Jaguaribe foi palco da chegada das primeiras fazendas de gado no Ceará. A partir de 1681, as terras férteis entre Aracati e Icó deram espaço para a criação bovina, desbravada por homens rústicos que enfrentaram não apenas a vegetação espinhosa da caatinga, mas também os confrontos com os povos indígenas locais, como os Icós e os Jaguaribaras.
A vida era dura. O sertanejo abriu clareiras na mata, ergueu currais, construiu casas de taipa e, com o couro do gado, confeccionou vestimentas, utensílios e móveis. Da lida diária nasceu um modo de vida, uma identidade que ficou conhecida como a civilização do couro.
Mas no meio da rotina exaustiva da lida com o gado, um momento se destacava no calendário do vaqueiro: a pega de gado.
A Pega de Gado: O Desafio dos Verdadeiros Vaqueiros
Imagine um sertão sem cercas, onde os rebanhos vagavam livres, misturando-se entre diferentes fazendas. Para organizar essa criação dispersa, uma vez por ano, os fazendeiros reuniam os vaqueiros da região para um grande desafio: resgatar, apartar e marcar o gado.
Era o momento da valentia ser posta à prova. No meio da caatinga fechada, em terreno irregular e repleto de espinhos, os vaqueiros saíam em disparada, enfrentando reses ariscas e testando suas habilidades na famosa pega do gado na caatinga. Um verdadeiro espetáculo de destreza, coragem e resistência.
Quando a missão era concluída, o momento pedia celebração. E foi dessa festa, com aboios, cachaça e reses soltas em descampados para serem derrubadas pelos vaqueiros mais habilidosos, que nasceu a vaquejada.
Da Tradição à Vaquejada Moderna
No início, o desafio acontecia sem regras definidas. Os vaqueiros se reuniam diante do curral e, um a um, partiam em disparada para derrubar o boi solto a partir do mourão – daí surgiu o termo “vaquejada de mourão”. Quem conseguisse mais derrubadas era considerado o melhor da região. Com o tempo, o desafio foi evoluindo, e passaram a delimitar uma pista de 10 a 15 passos para definir os mais habilidosos.
📌 Curiosidade: A primeira vaquejada registrada em Jaguaribe aconteceu em 1859, organizada para impressionar a Comissão Científica de Exploração do Ceará. Cem anos depois, em 1959, ocorreu a primeira vaquejada moderna do município, já com faixas de marcação e classificação para os competidores.
Hoje, o que começou como uma brincadeira entre vaqueiros se transformou em um dos maiores eventos do Nordeste, movimentando milhões de reais em premiações e atraindo multidões. Mas, no fundo, a essência continua a mesma: é sobre honra, tradição e o espírito indomável do sertanejo.
A poeira pode até baixar, mas a história da vaquejada segue viva, galopando firme pelos sertões do Ceará.
Francisco Sérgio Barreto Ribeiro imprime em seus artigos a dedicação à história jaguaribana e ao desenvolvimento agronômico. Engenheiro Agrônomo formado pela UFC, especialista em Fruticultura Irrigada pelo CENTEC e em Docência Profissional pelo IFCE, ele é um pesquisador apaixonado pelo legado do Vale do Jaguaribe e colunista da Revista Arautos do Vale.