O presente artigo tem como objetivo explicar, de forma clara e acessível, o instituto jurídico do “desforço imediato”, previsto no artigo 1.210, §1º, do Código Civil de 2002. Trata-se de um tema de grande relevância prática, especialmente para produtores rurais e empresários do campo, que lidam diariamente com a posse e o uso da terra — bens essenciais para o exercício de suas atividades, para o sustento de suas famílias e para a consecução de suas atividades agrícolas e empresariais.
O desforço imediato representa uma exceção à regra geral de que a defesa da posse deve ser feita mediante o uso do Poder Judiciário. Em determinadas situações, a própria lei permite ao possuidor agir diretamente, de forma rápida e proporcional, para reaver ou proteger seu bem contra uma turbação
ou esbulho recente.
Fundamentação Legal do Desforço Imediato
O instituto jurídico do desforço imediato é um mecanismo de autodefesa da posse, com origem no direito romano e posteriormente reafirmado/codificado pelos Códigos Civis Brasileiros de 1916 e 2002 (este último, atualmente vigente).
Com efeito, o aludido instituto decorre do princípio romano vim vi repellere licet, que autoriza o possuidor a “repelir a força com força”, desde que o faça imediatamente e de modo proporcional. O Código Civil de 2002, seguindo essa métrica, manteve tal previsão, assim consagrando o equilíbrio entre a autodefesa e a necessidade de evitar abusos.
Nesse sentido, o artigo 1.210 do Código Civil de 2002 dispõe sobre a proteção possessória, estabelecendo que o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. O parágrafo primeiro do referido artigo prevê o chamado “desforço imediato”, nos seguintes termos:
“Art. 1.210. (…) §1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.”
Em outras palavras, a lei permite que o possuidor reaja prontamente, utilizando força própria, para retomar a posse injustamente retirada, desde que o faça de forma imediata e proporcional.
O desforço imediato também encontra amparo constitucional, pois o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF) e a função social da posse e da propriedade (art. 5º, XXIII e art. 186), ambas constitucionalmente previstas, legitimam a reação imediata e proporcional do possuidor de terras
esbulhadas/turbadas.
Requisitos e Características do Desforço Imediato
Para que o desforço imediato seja considerado legítimo, é necessário o atendimento de alguns requisitos fundamentais, previstos pela lei e consolidados pela jurisprudência pátria. São eles:
- Imediatidade: a reação deve ocorrer logo após o esbulho ou turbação, ou seja, sem demora injustificada. Se o possuidor esperar dias ou semanas para agir, a situação passa a exigir intervenção judicial.
Vale ressaltar que o tempo de reação “imediata” deve ser contado a partir da ciência do esbulho e/ou da turbação, independentemente de quando tenha ocorrido. Nesse mesmo sentido, ao obter ciência do esbulho/ameaça praticada, não se considera como perda da “imediatidade” o tempo de deslocamento do proprietário rural do local em que se encontra (quando teve ciência do esbulho/ameaça) até sua propriedade, para repelir o esbulho/turbação iminente.
Isso porque muitos invasores de terras comumente se aproveitam justamente da ausência temporária de proprietários rurais de suas propriedades para praticar as invasões (esbulhos e turbações), as quais o instituto do desforço imediato visa coibir.
Portanto, não faria o menor sentido esvaziar o referido instituto ao se alegar eventual perda de imediatidade da reação do proprietário em função do tempo de deslocamento entre o local em que se encontrava (quando teve ciência sobre o esbulho/turbação iminente) e o retorno à sua propriedade rural, para repelir o esbulho/turbação praticada por terceiros invasores.
A esse respeito, os Tribunais pátrios têm amplamente entendido que a imediatidade deve ser aferida de acordo com as condições do caso concreto, especialmente no meio rural, onde a distância e as dificuldades logísticas influenciam o tempo de reação do possuidor.
- Proporcionalidade: os meios utilizados para repelir o invasor ou retomar a posse devem ser apenas aqueles estritamente necessários para esse fim. Nesse sentido, quaisquer exageros, violência excessiva e/ou danos desnecessários poderão caracterizar abuso de direito, bem como gerar responsabilidade civil ou penal ao proprietário praticante.
Com efeito, o desforço imediato deve ser sempre pautado pela boa-fé do possuidor, que age para proteger um direito ameaçado, e não para se beneficiar de forma indevida, de sorte que eventual má-fé e/ou excesso de sua conduta configuram abuso de direito, nos termos do artigo 187 do Código Civil de 2002.
- Posse legítima: o desforço imediato só é permitido a quem efetivamente detinha a posse legítima do bem esbulhado/turbado. Invasores ou detentores precários (a exemplo de arrendatários, que já perderam o direito de uso da terra local) não podem se valer desse instituto.
- Finalidade exclusiva de defesa: ao se aplicar o instituto jurídico do desforço imediato, o objetivo do praticante deve ser exclusivamente o de recuperar ou proteger sua posse sobre a propriedade que legitimamente lhe pertence, não podendo haver intuito de vingança, retaliação e/ou de mera punição ao
- invasor.
Aplicação prática no Meio Rural
No contexto rural, o desforço imediato assume papel de grande importância. Isso porque situações de invasão de propriedades, esbulhos possessórios ou turbações de terras produtivas exigem respostas rápidas, sob pena de prejuízos significativos à atividade agropecuária.
Tome-se, por hipótese, o exemplo de um produtor rural que, ao chegar em sua fazenda, constata que terceiros derrubaram uma cerca e iniciaram atividade de plantio em parte de sua área. Se essa invasão ocorreu há poucas horas ou dias, o produtor pode, de forma pacífica e proporcional, remover os invasores e restabelecer a cerca, assim caracterizando o exercício legítimo de seu desforço imediato.
Contudo, se esse mesmo produtor rural demorar semanas para agir, ou se o conflito se tornar excessivamente complexo, com resistência armada ou risco à integridade física, o ideal é que, então, se recorra ao Poder Judiciário, por meio de ação de reintegração de posse e demais remédios jurídicos aplicáveis, para o fim de garantir a proteção do direito de forma segura e legal.
Limites e Riscos do Desforço Imediato
Embora o desforço imediato seja uma prerrogativa legal, seu uso indevido pode gerar sérias consequências. Caso a reação praticada seja tardia ou desproporcional, o possuidor pode ser acusado de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do Código Penal), respondendo criminalmente até
mesmo por lesão corporal e danos.
Assim, ainda que o desforço imediato seja legítimo, recomenda-se que o produtor rural adote medidas complementares de segurança jurídica, tais como o registro de Boletim de Ocorrência, bem como a notificação e reunião de eventuais testemunhas, pois tais medidas auxiliam a demonstrar a boa-fé e
transparência do possuidor, reduzindo riscos de responsabilização posterior.
Por isso, é fundamental que o produtor rural aja com cautela, garantindo que o ato seja realmente imediato e indispensável à manutenção de sua posse sobre a propriedade que lhe pertence. Sempre que possível, recomenda-se, inclusive, que o produtor rural documente a situação por meio de fotos, vídeos e testemunhas, e também que comunique as autoridades locais a respeito dos fatos ocorridos, a fim de demonstrar sua boa-fé e a necessidade da medida.
Conclusão
O desforço imediato é uma importante ferramenta e mecanismo para a defesa da posse, especialmente no meio rural, onde o tempo é fator determinante para evitar prejuízos maiores. Entretanto, deve ser utilizado com prudência, e observados os limites da imediatidade e da proporcionalidade.
O produtor rural que compreende e aplica corretamente esse instituto protege seu patrimônio e, consequentemente, exerce seu direito de forma legítima, evitando longas disputas judiciais e, ao mesmo tempo, prevenindo responsabilidades por eventuais excessos.
O desforço imediato constitui-se, em última análise, como mecanismo de proteção do direito à posse e segurança jurídica no campo, não se tratando de um “instrumento de violência privada”, mas sim com um mecanismo de defesa imediata da ordem e da produção rural, especialmente quando o Estado não
consegue agir com a rapidez necessária.
Portanto, pode-se dizer que o desforço imediato é a expressão da autodefesa da posse dentro dos limites da lei – um instrumento que, se bem aplicado, concilia a proteção da propriedade com a preservação da ordem jurídica.
Leandro Campos Mirra – OAB/RJ nº 186.585
Diego de Andrade Trindade – OAB/SP nº 279.832
Vitor Matteucci Ippolito – OAB/SP nº 472.980










