A renda de filé (do francês “filet” = rede) é um artesanato feito com redes de fios sobre uma espécie de tela de madeira. Sua origem remonta ao Egito e outras regiões do Oriente Médio, existindo desde os tempos dos faraós.
Durante a Idade Média, a técnica chegou à Europa e se popularizou no período do Renascimento. Os bordados de filé de Pistóia (Itália) e do Minho (Portugal) tornaram-se famosos. No Brasil, a renda desembarcou com as primeiras mulheres que acompanharam os colonizadores, inicialmente nas regiões litorâneas. No Nordeste, consolidou-se primeiramente no atual estado de Alagoas, em vilas como Santa Madalena da Lagoa do Sul (atual Marechal Deodoro) e Maçayó (atual Maceió). Ao longo do tempo, a técnica incorporou cores e influências indígenas e africanas, adquirindo identidade própria em relação à sua origem portuguesa.
A Renda de Filé no Ceará
De acordo com o professor Oswald Barroso (2002), em sua obra Ceará: Uma Cultura Mestiça, o bordado de renda de filé chegou ao município de Jaguaribe, no Ceará, na década de 1940, trazido da Ilha da Madeira, em Portugal, por Dona Francisca Távora (Chiquinha Távora). Ela fixou residência na Fazenda Gurguéia, no Distrito de Feiticeiro, onde montou um ateliê e ensinou a técnica a outras mulheres da região. Com o tempo, o bordado se espalhou por todo o município.
Entretanto, fontes históricas primárias, como os Registros Eclesiásticos da Igreja Católica e Datas de Sesmarias, indicam que mulheres provenientes de Alagoas já estavam na Ribeira do Jaguaribe entre o final do século XVII e início do século XVIII. Essas mulheres dominavam a técnica da renda de filé, o que sugere que sua presença na região antecede a chegada de Chiquinha Távora.
A colonização da região jaguaribana demorou quase 200 anos após o descobrimento do Brasil. Somente em 1682, começaram a ser concedidas Datas de Sesmarias a sesmeiros vindos da Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco. Essas famílias instalaram fazendas de gado entre Aracati e Icó, trazendo consigo suas tradições, incluindo a confecção da renda de filé.
Evidências da Presença Anterior da Renda de Filé
Um exemplo é a família do português Capitão Domingos Paes Botão (1º), casado com Dona Sebastiana da Assunção Fonseca Ferreira, alagoana nascida em Santa Madalena da Lagoa do Sul (atual Marechal Deodoro). Em 1698, a família já residia na Fazenda Monte Vistoso, conforme o registro de batismo de seu filho Diógenes Paes Botão, realizado em 20/04/1698 na Capela de São Gonçalo do Potengi.
A filha do casal, Genoveva da Assunção Fonseca Ferreira, casou-se por volta de 1717 com o português Manoel Peixoto da Silva Távora e passou a viver na Fazenda Curralinho (antiga Sesmaria Santa Isabel), na margem direita do Rio Jaguaribe. A presença dessas mulheres na região comprova que a renda de filé já era praticada no Jaguaribe muito antes dos anos 1940, quando se acredita que Chiquinha Távora teria introduzido a técnica.
O pesquisador Paulo Uchôa (2024) reforça essa hipótese ao relatar que sua avó já fazia bordado de renda de filé no Sítio Fechado, no Distrito de Feiticeiro, muito antes do retorno de Chiquinha Távora ao Ceará. Assim, é provável que Chiquinha tenha trazido novas técnicas e aprimoramentos, mas não introduzido a renda de filé na região.
Francisco Sérgio Barreto Ribeiro imprime em seus artigos a dedicação à história jaguaribana e ao desenvolvimento agronômico. Engenheiro Agrônomo formado pela UFC, especialista em Fruticultura Irrigada pelo CENTEC e em Docência Profissional pelo IFCE, ele é um pesquisador apaixonado pelo legado do Vale do Jaguaribe e colunista da Revista Arautos do Vale.
