Em meio a crescentes tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, ganha força no debate político a possibilidade de o Brasil acionar a lei da reciprocidade — ou seja, impor as mesmas barreiras ou tarifas que o país norte-americano eventualmente aplique contra nós. À primeira vista, a medida parece justa e até patriótica. Mas quando olhamos para o setor mais estratégico da nossa economia, o agronegócio, o caminho da retaliação pode ser um tiro no próprio pé.
O Agro é o Elo Mais Vulnerável da Retaliação
O agronegócio brasileiro é profundamente dependente do mercado externo, e os Estados Unidos estão entre os principais destinos das nossas exportações. Em 2024, por exemplo, o Brasil exportou para os EUA:
• US$ 3,5 bilhões em soja e derivados
• US$ 1,2 bilhão em carnes bovinas e de frango
• US$ 800 milhões em café e suco de laranja
• Além de algodão, açúcar, etanol e produtos florestais
Se o Brasil retaliar comercialmente os EUA, é natural esperar medidas de revide ainda mais duras. O agro, por ser sensível e competitivo, pode ser o primeiro alvo: os americanos sabem onde doeria mais.
Barreiras Não-Tarifárias: o perigo invisível
Mais do que tarifas, os EUA têm um histórico robusto de usar barreiras técnicas e sanitárias como arma geopolítica. Basta lembrar o caso da carne in natura suspensa em 2017 por questões sanitárias — que muitos consideraram mais política do que técnica.
Se o Brasil retaliar agora, abre espaço para o aumento de exigências técnicas, mudanças em protocolos fitossanitários, atrasos em inspeções e até embargos parciais. Tudo isso afeta diretamente o produtor rural, principalmente o pequeno e médio que exporta por cooperativas ou empresas intermediárias.
Risco de Isolamento em Negociações Globais
O Brasil hoje tenta negociar acordos com outros países e blocos — como o México, Canadá, União Europeia e China. Se adotar uma postura de confronto com os EUA, corre o risco de se isolar politicamente. O agro não pode ser colocado no meio de disputas ideológicas e partidárias.
Precisamos lembrar que os grandes acordos agrícolas exigem diplomacia técnica e pragmática. Quando o Brasil age por impulso, perde credibilidade internacional.
Impacto na Imagem do Produto Brasileiro
O consumidor global hoje se importa com origem, sustentabilidade e estabilidade. Uma imagem de país instável ou retaliador pode afetar campanhas como “Brazilian Beef”, “Brazilian Coffee” e “Soy from Brazil”. Ou seja, até mesmo ações de marketing do agro brasileiro nos EUA e na Europa seriam impactadas.
O Efeito Dominó: insumos, tecnologia e financiamento
Não é só exportação. O Brasil importa insumos agrícolas e tecnologia dos EUA, como:
• Sementes transgênicas licenciadas
• Agrotóxicos de ponta
• Máquinas agrícolas de empresas como John Deere e Case IH
• Linhas de crédito de bancos internacionais com sede nos EUA
Qualquer ruptura pode gerar encarecimento da produção e desorganização das cadeias logísticas e tecnológicas do agro.
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Conclusão: Cautela é Soberania
Defender os interesses do Brasil não é sinônimo de retaliação. A verdadeira soberania está na inteligência diplomática, no uso técnico dos fóruns internacionais e na proteção estratégica do nosso agro, que alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e sustenta economicamente este país.
Antes de pensar em reciprocidade, é preciso pensar em proporcionalidade e, acima de tudo, em quem paga essa conta: o produtor rural brasileiro.
Diego Trindade é produtor rural, advogado e coordenador do EPROCE. Diretor do Portal AgroMais, também é fundador das iniciativas Agro no Ponto e Agro Otimista, que fortalecem a imagem e os valores do setor. Nesta coluna, compartilha informações exclusivas sobre projetos, acordos e inovações que impulsionam o agro.
Pós-graduado em Direito Ambiental e Agrário (PUC/SP), tem MBA em Economia e Gestão de Negócios (FGV/SP) e LL.M. em Finanças (INSPER/SP). Já atuou no Comitê Tributário da Sociedade Rural Brasileira e foi conselheiro titular do CONAT/CE.